
Tão lindo,
as sementes a transformarem-se! Primeiro, nasciam duas folhas, tenras, quase
transparentes. Depois, cresciam os caules, rapidamente, cobriam-se de mais
folhas. Às vezes, trepavam pelas paredes brancas de cal, e as paredes ficavam
verdes de folhas e mais tarde de flores, abelhas e borboletas. E, como já
referi, também gostava muito do meu canário: porque era pequenino, parecia um
novelo de lã amarelinha, e fora uma prenda da minha professora, que achava que
eu era a melhor da aula.
O canário
acordava-me todas as manhãs com o seu canto, e, mesmo que fosse Inverno, a casa
ficava cheia de Sol e perfume de flores quando ele assobiava as suas canções.
Mas, um dia, choveu granizo e o canário não resistiu ao frio daquelas pedras de
neve. Morreu. Perturbada com a terrível revelação, depressa descobri que alguma
coisa de diferente, silenciosa e implacável, pode interromper a vida e os
sonhos. Então, cheia de uma tristeza tão grande e pura como só uma criança pode
sentir, mas permitindo que uma ténue esperança sobrevivesse no fundo da minha
dor, não hesitei: fui também semear o canário!
Do armário,
tirei a caixa onde se guardavam os meus sapatos de verniz dos dias de festa.
Afastei o papel de seda que os envolvia como quem abre portas de luz. Tapei o
fundo da caixa com flores, muitas flores de laranjeira. Nesse pequeno leito de
perfume branco, deitei o canário. De lado, como se dormisse. Mas os canários
não dormem de lado, pensei; o melhor, seria de ventre para baixo, como se
estivesse a cheirar as flores ou tivesse pousado apenas, um momento, para
descansar dum voo. Depois, pensei ainda: e se ele acorda daquele frio, tão
frio, que lhe deixou os olhos sem brilho como um vidro sujo? Assim, não vê o
céu e assusta-se. Então, voltei-o
com as patinhas para cima: parecia um canário a rezar ao deus dos passarinhos. Coloquei-lhe,
entre as patas, um ramo com folhas verdes onde já nascia uma pequena laranja,
fechei outra vez as portas de papel de seda, fechei a caixa. Desci as escadas
devagar. Para não encontrar gente. Para não me fazerem perguntas. Atravessei a
quinta. Penetrei nesse espaço mágico de galerias, planícies, areias lisas, que
era o chão, fresco, debaixo da nespereira, e cujos ramos caíam até ao chão, com
folhas e frutos a que só eu tinha acesso.
Semeei o
canário.
É talvez uma
semente que tenha demorado um pouco mais a nascer, porque tem asas e as asas
crescem devagar. Mas eu sei, tenho a certeza que ainda um dia, subitamente, no
alto duma árvore qualquer, eu avistarei essa ave. Como os meus olhos começam a
ficar míopes e já confundo, muitas vezes, canários com raios de sol, espero que
alguém, que ainda acredita em asas, me ajude a descobri-lo. E que não desista
nunca de esperar a ave. Mesmo que ela tarde. Porque ela virá, temos de
acreditar, perfumada de flores de laranjeira, rasgando portas de luz e inaugurando,
com o seu canto, os dias claros de uma Primavera tão desejada.
E virá para
sempre.
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