Era uma vez um rei que tinha, à roda do palácio, onde vivia, um enorme
pomar muito bem tratado. Imensos jardineiros cuidavam desse pomar, que era a
vaidade do rei.
Árvores de fruto
de todas as espécies, algumas vindas de terras distantes, transformavam, na
Primavera, o pomar num jardim magnífico, onde sobressaíam o cor-de-rosa, o
azul, o branco e o amarelo das flores, sobre o verde fresco das folhas.
E, quando os
frutos começavam a ganhar forma, o perfume que inundava o pomar quase
entontecia.
Estava, um dia, o
rei a mostrar o pomar a uns primos, príncipes de reinos vizinhos, quando viu,
caídos de um pessegueiro uns tantos frutos meio apodrecidos.
Mandou logo chamar
o chefe dos jardineiros e perguntou-lhe, muito irritado:
— Explique-me este
desleixo. Quem é o responsável?
— Foram os
pássaros, Majestade, que bicaram os frutos mais apetitosos — explicou o
jardineiro.
— Pássaros? —
exclamou o rei. — Como se atrevem a entrar nos meus domínios e a bicar as
minhas riquezas?
— Os pássaros têm
asas e não conhecem muros — respondeu o jardineiro.
— Pois vou eu
ensiná-los — indignou-se o rei.
— Que podem os
pássaros contra mim?
E o rei foi para o
palácio, onde ditou um decreto para ser espalhado pelo reino, em que mandava
matar todos os pássaros, passarinhos e passarocos, sem escapar um. As ordens do
rei tinham de se cumprir. Foi uma mortandade.
No ano seguinte,
realmente, já não havia pássaros atrevidos a bicar nos frutos do pomar real.
Mas, em contrapartida, uma praga aflitiva de lagartas e insetos destruiu as
colheitas, minou os frutos, empobreceu o reino.
— Como se explica
isto? — perguntou o rei ao jardineiro. — Depois de guerrearmos os pássaros,
temos agora de guerrear os mosquitos e as lagartas. Como se dá batalha às
lagartas?
Sorrindo, o velho
jardineiro respondeu:
— Para guerrear as
lagartas, temos de nos aliar aos pássaros. São eles que as comem, mais às
larvas e a todos os bichinhos miúdos da natureza.
— Podias ter
explicado isso mais cedo — comentou o rei, fazendo-se esquecido.
Logo ali mandou
anular o decreto, que tinha apagado as asas dos céus do reino. Os pássaros já
podiam, de novo, voar livremente. E poisar onde lhes apetecesse.
Assim é que estava
certo.
António Torrado
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