segunda-feira, 14 de março de 2011

Este mês sugerimos o livro...

O Livro de Cesário Verde

Compilação póstuma de poesias de Cesário Verde escritas entre 1873 e 1886, organizada e posfaciada por Silva Pinto, da qual se fez uma primeira edição, em 1887, para oferta a amigos do escritor, e uma segunda edição, em 1901, destinada ao público. A edição princeps de O Livro de Cesário Verde é constituída por 22 composições, repartidas por duas secções, "Crise romanesca" e "Naturais", sem que se saiba se essa divisão obedeceu a indicações do próprio autor ou ao critério do compilador. Apesar de omitir várias poesias de Cesário contempladas em antologias posteriores, a recolha é representativa das várias tendências convergentes na obra poética do autor. Baseando-se na representação pictórica e na descrição plástica da realidade, apoiada no predomínio das sensações ("Lavo, refresco, limpo os meus sentidos./ E tangem-me, excitados, sacudidos,/ O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!"), no que se aproxima do Parnasianismo e do Realismo, Cesário supera, todavia, a captação fotográfica do real, através de um processo de recriação poética que opera uma transfiguração do imediato: "Subitamente - que visão de artista ! -/ Se eu transformasse os simples vegetais,/ À luz do sol, o intenso colorista,/ Num ser humano que se mova e exista/ Cheio de belas proporções carnais?!" ("Num bairro moderno"). A estética anti-romântica e naturalista ("E eu que medito um livro que exacerbe,/ Quisera que o real e a análise mo dessem;") patenteia-se nos motivos da mulher soberba e impassível ("Deslumbramentos", "Frígida"), da cidade mórbida e industrial ("O sentimento dum ocidental", "Num bairro moderno"), ambos de influência baudelairiana, na correcção da subjectividade pelo distanciamento e a ironia ("Cristalizações"), na visão não convencional do campo, marcada pela experiência pessoal ("Em petiz", "De verão", "Nós", "De tarde"). Esta transmudação impressionista ou fantasista da realidade apoia-se num estilo inovador, precursor do Simbolismo, no qual, de entre muitos aspectos, salientaremos o uso da sinestesia ("Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;/ Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura"), do advérbio ("Amareladamente, os cães parecem lobos"; "Um forjador maneja um malho, rubramente"), da hipálage ("Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia"; "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno") e do assíndeto ("Vê-se a cidade, mercantil, contente:/ Madeiras, águas, multidões, telhados!").
Em suma, a obra poética de Cesário Verde é caracterizada pelo domínio perfeito da língua, riqueza e precisão do vocabulário, rigor e originalidade na adjectivação. Recorrendo também ao verso e estrofe de características tradicionais, o autor cultivou fundamentalmente o soneto em versos decassílabos e alexandrinos, estes últimos, segundo o próprio, caracterizados pelo rigor geométrico e pela sobriedade. Tentando encontrar a "perfeição do fabricado" (parnasianismo) e transmitir " o ritmo do vivo e do real" (realismo), como um realizador cinematográfico, o autor, surpreendendo os instantâneos do quotidiano de Lisboa, regista o pulsar do coração da cidade que, vencendo "o Tempo e a Morte", resiste e sobrevive.

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