sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Uma palavra esquisita

Um puto e a sua mãe vieram sentar-se perto de nós. O miúdo tinha o cabelo ruivo e chorava. Chorava baixinho, ininterruptamente. Não queria comer, apesar da sua refeição estar dentro de uma casinha de cartão. O que ele queria era um gelado.
- Não dou, que te faz mal. Não dou! Come! – disse a mãe, com muita paciência.
O miúdo deixou de chorar baixinho. Começou a gritar e a espernear. Depois atirou para o chão a casinha que sua mãe abrira.
Aquele seu choro estava a incomodar-me. Virei-me para o puto, abri muito os olhos e deitei a língua de fora. O miúdo olhou para mim, deixou de berrar e retribuiu o gesto. A mãe, que era muito nova, sorriu.
Gosto muito de crianças. Se calhar vou ser professor de miúdos pequenos, mas ainda não tenho bem a certeza. Claro que não digo isto a ninguém para não ser gozado.
O meu pai diz que só os palermas é que não escolhem Economia e Informática, os cursos do futuro. Deixo-o falar e não lhe respondo. Eu não tenho muita queda para Matemática, nunca gostei de trabalhar com números. Acho que o senhor Vitorino vai ficar muito decepcionado quando lhe disser que não lhe vou fazer a vontade. E, se ele implicar muito comigo, talvez ganhe coragem para lhe perguntar porque é que ele não tirou um curso superior. O irmão dele, o meu tio Acácio, que está a morar em Lisboa, é engenheiro e trabalha no Ministério da Educação. E o senhor Vitorino não passa de um funcionário de uma repartição de finanças, sempre a criticar o seu chefe por vestir mal, ser um monte de banhas, deixar escapar perdigotos para cima das pessoas, fumar cachimbo, ter caspa, cabelo gorduroso e mau hálito.
Ainda falta tanto tempo e já toda a gente anda preocupada com o nosso futuro. Impressionante! Menos a avó Palmira, que nos diz:
- Ai filhinhos, divirtam-se enquanto são novos. O melhor tempo é a juventude. Não vale a pena pensarem muito no que há-de vir. Façam o vosso trabalho o melhor que souberem e puderem. O resto vem por acréscimo.
Minha mãe diz que a avó sempre foi muito fatalista. Que o futuro está nas nossas mãos.
Futuro… futuro, que palavra mais esquisita!

António Mota, Fora de Serviço (excerto)

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