segunda-feira, 29 de março de 2010

Pégadas de Gaivota


Pégadas de gaivota



Era uma vez uma gaivota na praia. Sozinha. Não havia banhistas, porque ainda não era o tempo deles.
Nas praias desertas, antes do Verão, a areia muito lisa até parece passada a ferro. Sem uma única ruga. Sem um único sinal de vida.
Nisto pensava a gaivota, enquanto se entretinha, saltinho sobre saltinho, a imprimir na areia as suas pégadas de gaivota nova.
Três dedos espetados para a frente e zás! Eu estive aqui. E aqui. E aqui.
Atrás da gaivota, o rasto dos seus passos.
Mais logo, as ondas do mar, na maré cheia, apagariam a passagem da gaivota por aquela praia sem ninguém. Mas, até lá, muita coisa iria suceder.
Chegada à beira de um rochedo, a gaivota virou-se para trás e contemplou o caminho que fizera pela praia toda. Suspirou.
Pois é. As gaivotas também suspiram. Suspiram de tristeza, quando estão sós.
Virou-se para a frente, para continuar o seu passeio descuidado, quando sentiu um baque de susto. Não que tivesse visto um bicho, mas viu, na areia molhada, à sua frente, a marca de outras pégadas iguais às dela. Os mesmos três dedos espetados para a frente. Tal e qual.
Esvoaçou.
Mediu de cima o terreno em volta e foi então que deu com outra gaivota, aninhada atrás de uma rocha. Era uma gaivota fêmea. E ela, a gaivota da nossa história, uma gaivota macho.
Já não estava sozinha. Já não estavam sozinhas. Entraram à fala uma com a outra.

Falaram do mar, das ondas, dos peixes e da friagem da noite, quando, sem o calor de outras penas, se abrigavam numa fenda da falésia.
O resto não tem conto. Adivinha-se. Estavam feitas uma para a outra, como se costuma dizer.
Desconfio que, antes de chegar o Verão, outras patinhas novas, mais pequenas, vão povoar aquelas areias. Cada vez há mais gaivotas.




António Torrado in Histórias do Dia

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