Era uma vez um soldado chamado João. Vinha de sachar milho, de regar cravos, de semear couves e manjericos.
Agora, toca a marchar, de espingarda ao ombro, mochila às costas, botas de cano, farda a rigor.
Pelos campos fora, o soldado João era a vergonha dos batalhões. Trazia uma flor ao peito, punha as mãos nas algibeiras, coçava o nariz, não acertava o passo. E, para cúmulo, assobiava ou cantava modinhas da sua aldeia.
Bem lhe ralhava o sargento, o ameaçava o capitão, o castigava o general.
O soldado João continuava a marchar, feliz e desengonçado, como se fosse à feira comprar gado ou ao mercado vender feijão.
Mas tanto, tanto marchou o soldado João, que chegou à terra da guerra.
Todos os soldados carregaram as espingardas e fizeram pontaria. Mas o soldado João achou indelicado não ir cumprimentar os colegas da outra banda. Pousou a arma, saltou a trincheira, avançou estendendo a mão.
Então, os outros soldados, espantados, estenderam também a mão.
— Fogo! — gritava o sargento.
— Disparem! — mandava o capitão.
— Atirem! — ordenava o general.
Mas os soldados eram tantos que demorava muito tempo a cumprimentá-los. Foi o sargento buscar o soldado João, dizendo:
— Rapaz, não te lembras de que te ensinei que a guerra é para matar? Vou pôr-te a corneteiro, já que não tens jeito para atirador.
O soldado João pegou na corneta, ei-lo a soprar, e logo o fandango ecoou pelos campos fora, convidando à dança.
Sapateava a tropa, rodopiava, batia palmas.
— Alto! — gritava o sargento.
— Basta! — mandava o capitão.
— Parem! — ordenava o general.
Arrancou o sargento a corneta ao soldado João e, zangado, explodiu:
— Vais para cozinheiro do exército. Ao menos aí não empatarás a guerra.
Mal chegou à cozinha, foi buscar café. Arrastava pelas fileiras, fumegando, o enorme panelão, apetitoso, perfumado.
Aproximava-se de cada soldado, tirava-lhe o capacete para fazer de malga, despejava-lhe uma concha de café. Amigos e inimigos, todos se deliciavam com tão inesperado pequeno-almoço.
— Ao vosso lugar! — gritava o sargento.
— A postos! — mandava o capitão.
— Perfilar! — ordenava o general.
Tiraram a panela ao soldado João, enrolaram-no numa bandeira da cruz vermelha, dizendo:
— Já não és atirador, nem corneteiro, nem cozinheiro. Daqui por diante, és enfermeiro militar.
Mal se viu na nova função, ei-lo a correr à procura de feridos.
Viu um tenente com um olho negro e foi tratá-lo.
Viu um furriel com uma picada de abelha e, num instante, lhe arrancou o ferrão.
Notou que os dois generais inimigos coxeavam ligeiramente, descalçou-lhes as botas e pôs-se a tirar-lhes os calos.
Então, o incrível aconteceu.
Os dois generais levantaram-se ao mesmo tempo e condecoraram-no com duas luzentes medalhas de ouro.
Como era noite, acharam que já passara o tempo da guerra, apertaram as mãos e partiram em paz.
O soldado João sete dias andou até chegar à sua aldeola, onde de novo sacha milho, rega cravos, semeia couves e manjericos.
Luísa Ducla Soares
Porto, Editora Civilização, 2002
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