Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser
boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das
Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as
manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos
jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer
bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, colecionar colheres do séc.
XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer
ioga, gostar de pintura abstrata, ser sócia de todas as sociedades musicais,
estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e
ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a
sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstrata.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina
rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que
possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à
santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é
irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes
depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo
cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir
a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo,
«qualquer distração pode causar a morte do artista». Mónica nunca tem uma
distração. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são
úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas
as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta
sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre
bem, até os desgostos.
Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um
emprego de capital. A comida é ótima e na conversa toda a gente está sempre de
acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões
inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais
exatamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma
de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e
grande.
Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros
e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre
com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E
precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte,
sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.
O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem
importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento.
Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais
alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são
o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma.
O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações
mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.
É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande
dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que
os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as
crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica
também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína
não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos
não há nada de comum.
E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo.
Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus
silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço
dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.
Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma
pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa
festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam
os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente, nenhum mal. Toda a
gente sabe que Mónica é seriíssima toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo
é um homem austero e casto.
Não é o desejo do amor que os une. O que os une e justamente uma vontade
sem amor.
E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos
sabemos que ela é o seu maior apoio; mais firme fundamento do seu poder.
Sophia de Mello Breyner Andresen