quinta-feira, 27 de outubro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O caçador de borboletas

Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os colecionadores.
Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insetos mas não sabia que era possível colecioná-los, como quem coleciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.
Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas.
Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam insetos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce – uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa.
Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passoua para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela.
— Agora és minha — disse-lhe. — Toda a tua beleza me pertence.
A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:
— Isso não é possível — era a borboleta que falava. — Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem sábio e bom, chamado Buda…
Vladimir esfregou os olhos:
— Meu Deus! Estou a sonhar?
A borboleta riu-se:
— Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!”. E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
— Não! — disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem colecionadores como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):
— Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes colecionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.
Vladimir começava a achar que ela tinha razão.

— Se eu te libertar agora — perguntou — tu serás minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores.
— Já sou tua — disse — e tu já és meu. Sabes? Eu coleciono caçadores de borboletas.
Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:
— Muito boa — disse. — Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo.


José Eduardo Agualusa
Era uma vez Revista Pais e Filhos, s/d

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Poemas de Tomas Tranströmer


O Casal

Apagam a luz e o globo branco brilha
um instante e, depois, dissolve-se, como um comprimido
num copo de escuridão. Depois, aumenta.
As paredes do hotel disparam para a escuridão do céu.

Os seus movimentos tornaram-se mais suaves e dormem,
mas os seus pensamentos mais secretos começam a encontrar-se
como duas cores que se encontram e escorrem juntas
sobre o papel molhado de uma pintura de um menino de escola.

Está escuro e silencioso. A cidade, contudo, aproximou-se
esta noite. Com as suas janelas desligadas. Vieram casas.
Mantêm-se juntas e muito perto, esperando,
uma multidão de gente de rostos brancos.

Depois de uma Morte


Uma vez foi um choque,
que deixou para trás uma longa e cintilante cauda de cometa.
Mantém-nos dentro de casa. Torna nevada a imagem da TV.
Aquieta-se em gotas frias sobre os fios de telefone.

Pode-se ainda ir de skis devagar sob o sol de inverno
através de arbustos onde algumas folhas se demoram.
Parecem páginas arrancadas de velhas listas telefónicas.
Nomes engolidos pelo frio.

É ainda maravilhoso sentir o coração a bater,
mas a sombra parece muitas vezes mais real que o corpo.
O samurai parece insignificante
por trás da armadura de escamas do dragão negro.


Tradução do inglês de Maria Catela[in:http://mariacatela.blogs.sapo.cv/8402.html]

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Paz

A paz
é uma pomba que voa.
É um casal
de namorados.
São os pardais
de Lisboa
que fazem ninho
nos telhados.
É o riacho
de mansinho
que saltita
nas pedras morenas
e toda a calma
do caminho
com árvores
altas e serenas.

A paz é o livro
que ensina.
É uma vela
em alto mar
e é o cabelo
da menina
que o vento
conseguiu soltar.
E é o trabalho,
o pão, a mesa,
a seara de trigo,
ou de milho,
e perto
da lâmpada acesa
a mãe que embala
o seu filho.

              Sidónio muralha, Todas as Cidades da Terra

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Autor do mês

Tomas Tranströmer (Estocolmo, 15 de abril de 1931) é um poeta, tradutor e psicólogo sueco.
A poesia de Tranströmer tem uma grande influência na Suécia e em todo o mundo, sendo ele o poeta sueco mais traduzido, desde 1973: os seus poemas estão traduzidos em mais de trinta línguas. Recebeu numerosos prémios literários, como por exemplo o Prémio Literário do Conselho Nórdico em 1990 e o Prémio Nobel da Literatura em 2011.
Tranströmer iniciou-se na poesia aos 23 anos de idade. O seu primeiro livro intitulava-se 17 dikter (17 poemas). A maior parte da sua obra é escrita em verso livre, embora também tenha feito experiências com linguagem métrica. Na sua escrita nota-se uma certa disciplina horaciana.
Vive presentemente numa ilha, longe dos olhares do mundo e dos meios de comunicação. Foi psicólogo de profissão até 1990. Redigiu cerca de uma quinzena de obras numa longa carreira dedicada à escrita.
Em 1990 foi vítima de um acidente vascular cerebral que o deixou em parte afásico e hemiplégico, isto é, não consegue falar e perdeu as faculdades motoras. Continuou a escrever e publicou três obras, como "O Grande Enigma: 45 Haikus".
Tomas Tranströmer escreve sobre a morte, a história, a memória e é conhecido pelas suas metáforas. É um poeta que tem uma produção pequena, "não é prolixo", disse no final do anúncio o secretário da Academia, o historiador Peter Englund, embora esteja traduzido em várias línguas. Em Portugal, Tranströmer tem poemas publicados em duas antologias, uma delas chama-se "Vinte e um poetas suecos" (Vega ,1987).

Este mês sugerimos o livro...


Precious Jones, dezasseis anos, corpo de mulher e coração de menina, está à espera do segundo filho. É negra, pobre, obesa, analfabeta e está muito só. Violada pelo pai, que é também o pai dos seus dois filhos, e abusada pela mãe, que encontra sempre novas formas de explorar a filha a vários níveis, Precious perde o seu último vínculo com a realidade ao ser expulsa da escola. Sozinha nas ruas de Harlem - o reino dos sem voz - Precious fica muito próxima do abismo, vencida pela raiva e pelo desespero. Até ao dia em que é admitida numa instituição para crianças desfavorecidas e encontra na sua nova professora o estímulo para não desistir. Pela mão de Blue Rain, Precious descobre a magia das letras que formam palavras e frases, e encontra na leitura e na escrita a porta para o mundo que ela julgara estar definitivamente fechada. A menina de Harlem descobre que tem sentimentos, tem sonhos e, mais importante do que tudo, tem uma voz só sua. Este livro fala por si.

Este mês sugerimos o filme...

O filho de uma família negra norte-americana adoece gravemente e é levado de urgência para um hospital, por acaso, privado. O pai do rapaz está à beira do desemprego e o seu seguro não chega para pagar as elevadas despesas. A vida do filho corre perigo. Numa cena fria e crua, assistimos à conversa dos pais com os médicos e os responsáveis do hospital, onde se revela que o fator decisivo para a permanência do rapaz no hospital são os números e os interesses económicos. O tempo passa e o doente vai definhando. Numa medida desesperada, o pai assalta o hospital. Faz alguns reféns e exige que o tratamento do filho seja garantido. A partir daqui a história ganha um novo fôlego. Os meios de comunicação social noticiam o facto e criam opinião pública. As histórias pessoais dos reféns ilustram diferentes “modelos” de vida, em que uns apoiam o pai e compreendem o seu drama, enquanto que outros pensam exclusivamente em si, procurando escapar e alcançar a glória de aparecer na TV como corajosos heróis. Também entre as forças de segurança há quem só pense no êxito da sua carreira profissional e quem atue com prudência, tomando decisões sem se deixar levar pela procura imediata do sucesso. Os responsáveis do hospital hesitam entre ceder ou manter a sua decisão...

Este mês sugerimos Ouvir...

Adele Laurie Blue Adkins (Enfield, 5 de maio de 1988), conhecida pelo nome artístico Adele é uma cantora e compositora britânica. Ela foi a primeira a receber o prêmio Critics' Choice do BRIT Awards e foi nomeada "artista revelação" em 2008 pelos críticos da BBC. Em 2009, Adele ganhou dois Grammy Awards de "Artista Revelação" e "Melhor Vocal Pop Feminino". Teve seu reconhecimento mundial ao lançar o álbum 21 e dominar as paradas de sucesso nos Estados Unidos e Reino Unido com o single "Rolling In The Deep.
Adele atraiu a atenção da XL Recordings com suas três demos no seu perfil no MySpace e acabou por assinar com a editora. Desde a sua estreia, o álbum 19 de Adele foi aclamado pela crítica e foi um sucesso em vendas. O álbum estreou em número um e recebeu três certificações de platina no Reino Unido. A sua carreira de sucesso nos Estados Unidos começou após uma apresentação sua no programa Saturday Night Live em 2008. Adele lançou seu segundo álbum 21 em 24 de janeiro de 2011 na Inglaterra e em 22 de fevereiro nos Estados Unidos. O álbum foi um sucesso comercial e com a crítica, vendendo 208 mil cópias na primeira semana de vendas no Reino Unido estreando em primeiro lugar na UK Albums Chart e também liderou as paradas de vendas em vários países. O CD também estreou muito bem nos Estados Unidos alcançando a primeira posição na Billboard 200 vendendo 352 mil cópias na primeira semana.
Depois de uma aclamada performance ao vivo no BRIT Awards de 2011, a canção "Someone Like You" chegou ao primeiro lugar das paradas de sucesso no Reino Unido, enquanto o álbum também permaneceu como número um no país. A Official Charts Company anunciou que Adele é a primeira artista a alcançar, ainda viva, uma canção e um álbum como número um ao mesmo tempo na Inglaterra desde Os Beatles em 1964.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

As adivinhas em anexins

Um rei quis experimentar o juízo de três conselheiros que tinha, e indo passear com eles encontrou um velho a trabalhar num campo, e saudou-o:
- Muita neve cai na serra! Respondeu o velho com a cara alegre:
- Já, senhor, é tempo dela.
Os conselheiros ficaram a olhar uns para os outros, porque era Verão, e não percebiam o que o velho e o rei queriam dizer na sua. O rei fez-lhe outra pergunta:
- Quantas vezes te ardeu a casa?
- Já, senhor, por duas vezes.
- E quantas vezes contas ser depenado?
- Ainda me faltam três vezes.
Mais pasmados ficaram os conselheiros; o rei disse para o velho:
- Pois se cá te vierem três patos, depena-os tu.
- Depenarei, real senhor, porque assim o manda.
O rei seguiu o seu caminho a mofar da sabedoria dos conselheiros, e que os ia despedir do seu serviço se lhe não soubessem explicar a conversa que tivera com o velho. Eles, querendo campar por espertos, foram ter com o velho para explicar a conversa; o velho respondeu:
- Explico tudo, mas só se se despirem e me derem o dinheiro que trazem. Não tiveram outro remédio senão obedecer; o velho disse:
- Olhem: «Muita neve cai na serra», é porque eu estou cheio de cabelos brancos; «já é tempo dela», é porque tenho idade para isso. «Quantas vezes me ardeu a casa?» é porque diz lá o ditado: «Quantas vezes te ardeu a casa? Quantas casei a filha». E como já casei duas filhas sei o que isso custa. «E quantas vezes conto ser depenado?» é que ainda tenho três filhas solteiras e lá diz o outro: Quem casa filha Depenado fica.
Agora os três patos que me mandou o rei são vossas mercês, que se despiram e me deram os fatos para explicar-lhes tudo.
Os conselheiros do rei iam-se zangando, quando o rei apareceu, e disse que se eles quisessem voltar para o palácio vestidos que se haviam ali de obrigar a darem três dotes bons para o casamento das outras três filhas do velho lavrador.
  
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Concurso Halloween Esaic