Como todas as manhãs, Laura abriu o armário para tirar um
vestido. Que horror! Adivinha o que encontrou escondido no fundo… Um grande
rato dos esgotos, que ria com todos os dentes. Laura quis gritar, chamar os
pais, mas o grande ratão preveniu-a, apontando-lhe um revólver à testa:
— Se gritares, mato-te. Se me denunciares, desfaço-te.
Então, Laura fechou a boca a cadeado, assim como o armário e
todos os sentidos do seu corpo.
Ela bem queria pôr um cadeado no armário e esquecer, mas, todas
as manhãs e todas as noites, o rato gordo dos esgotos batia na porta com a
cabeça, até ela a abrir.
À noite, todos os dias, ao abrir a porta para se vestir ou
despir, lá estava o rato gordo. Laura despachava-se a tremer, mas não se
atrevia a dizer nada. Porquê? Talvez porque o rato grande dos esgotos não fosse
criança e se deva obedecer às pessoas crescidas, mesmo que sejam dos esgotos,
não é verdade? Era o que Laura pensava.
Uma noite, o rato disse-lhe, com olhos terríveis:
— Quero ser o teu ursinho. Dá-me um beijo de boa-noite, se não,
levas uma palmada.
Então Laura chorou, mas deu-lhe um beijo, o que achou horrível.
Só que ela já não sabia muito bem o que era horrível e o que era agradável,
porque, como já disse, ela tinha fechado, trancado e bloqueado tudo dentro
dela. O rato estava, evidentemente, todo satisfeito, e disse, enquanto fumava o
seu charuto:
— Todas as noites vens dar-me o meu beijo, minha linda. Assim
quero e assim tem de ser.
O grande rato dos esgotos exigia coisas do arco-da-velha.
— Olha — dizia ele — lava-me estas peúgas fedorentas e põe-nas a
secar. Quero todas as tuas bonecas. Aborreço-me aqui sozinho dentro do armário.
Um dia, o rato disse-lhe:
— Traz-me um bombom. Traz-me o teu bolo de arroz e as tuas
batatas fritas.
E Laura lá lhos levou. Deu-lhe também os seus copos de leite, o
lanche, o jantar e tudo o que ela comia de manhã, à tarde e à noite.
Um dia, pediu-lhe o sono, depois, os seus lindos sonhos
cor-de-rosa. Quando se é rato de esgoto, só se tem sonhos horríveis. Ele
deu-lhe os pesadelos negros e ela deu-lhe os seus sonhos cor-de-rosa.
Os pais de Laura começaram a ficar preocupados porque a viam
emagrecer e perder o sono, sem saberem que Laura dava tudo ao rato grande e
cinzento dos esgotos. (Laura pusera-lhe o nome de “Rato Desgosto”)
Certo dia, quando estava já muito magra por não comer nada e
entregar tudo ao rato, Laura soube que, se não falasse, algo de grave lhe podia
acontecer. Então disse à mãe:
— Mamã, tenho uma história para te contar. É a história do rato
Desgosto.
Contou-lhe toda a história. A mãe ficou horrorizada e chorou
todas as lágrimas que Laura tinha contido desde que decidira pôr a carapaça e
fechar-se. Fez muito bem às duas.
Naquela noite, quando abriu a porta do armário, Laura viu que o
rato tinha desaparecido e só lá tinha deixado as peúgas, aquelas que Laura
tinha lavado. Eram tão pequeninas, que Laura franziu o sobrolho.
— Não pode ser! O rato Desgosto tinha uns pés assim tão
pequeninos… afinal era minúsculo!
Ela que pensava que ele era tão grande e que nada podia contra
ele! Afinal, bastou falar à mãe para ele desaparecer do armário, sem pedir mais
nada. Era mesmo um rato nojento, mas que agora já não lhe fazia medo nenhum.
— Vês, Laura — disse-lhe a mãe. — Quando alguém te pedir alguma
coisa, tens de te perguntar a ti própria, bem no fundo, se queres. Se alguma
coisa em ti te diz que estás a ser forçada, ou que magoam o teu corpo, não
deves obedecer, pelo menos antes de falares a alguém sobre isso. Mesmo que seja
um Marciano, um rato dos esgotos, um crocodilo… mesmo que seja uma pessoa
importante.
E ainda lhe disse:
— Se amanhã vires alguma coisa no armário, por favor, di-lo a um
adulto. A mim, ao pai, à madrinha, à professora… a quem quer que seja! E, se
alguém te ameaçar na rua, pede socorro a um adulto, entra numa loja ou noutro
sítio qualquer. Nenhuma criança deve submeter-se a um rato do esgoto.
Percebeste, minha querida?
— Sim — prometeu Laura, tranquilizada com esta promessa.
Nessa noite, Laura recuperou o bolo de arroz, os bombons, o seu
ursinho, as batatas fritas. E o seu bom aspecto. Infelizmente durante algum
tempo, ainda continuou a ter os antigos pesadelos negros, cheios de ratos dos
esgotos, de ratinhos e de ameaças. Porque o ratão Desgosto tinha-lhe roubado
alguns dos seus sonhos cor-de-rosa. Precisava de esperar algum tempo para os
recuperar.
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