Bem vindos ao blogue da Biblioteca da Escola Secundária António Inácio da Cruz em Grândola.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
A Forma Justa
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Dia em memória das vítimas do Holocausto
No dia 01 de Novembro de 2005 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 60/7 que designa o dia 27 de Janeiro, como o Dia Internacional de Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto. A data é uma homenagem aos seis milhões de judeus e aos outros milhares de vítimas do extermínio nazista.
Foi precisamente no dia 27 de Janeiro de 1945, que se libertaram as primeiras pessoas do horror em que viviam nos campos de concentração, neste caso o de Auschwitz-Birkenau, na Polónia, por parte das tropas soviéticas e ao qual se seguiram outros campos.
À beira do lume
Sossegadas as balbúrdias do dia, já a noite vinha devagarinho deitar pozinhos de sono por aqui e por ali.
Sentadas à lareira da velha casa, a avó e a neta começaram a pensar qual havia de ser a última história do dia.
- Conte lá a história da Carochinha! – pediu a Mariana.
A avó admirou-se:
- Outra vez?! Mas tu nunca me deixas acabar como deve ser…
- Hoje deixo! – prometeu a menina.
E a avó contou a história da Carochinha, como ela é conhecida. Falou da Carochinha à janela, toda contente por ter encontrado uma moeda ao varrer sua casinha:
- Quem quer casar com a Carochinha que é formosa e bonitinha?
- “Quero eu, quero eu!” – tinham dito um cão, um gato, um galo, um boi, um burro…
Mas a Carochinha não tinha gostado da voz de nenhum deles e todos se tinham ido embora. Até que apareceu um ratinho: “Quero eu, quero eu!”
- Oh, como és engraçado! Ora fala um bocadinho, para eu ouvir bem a tua voz!
- Chi… Chi… Chi…
- Que linda fala! Vamos já casar! Vamos já casar!
E assim foi. No dia da boda, já iam a caminho da igreja para o casório, quando a Carochinha deu por falta de uma luva que tinha esquecido na cozinha, ao mexer o panelão que fervia ao lume.
- Vou já buscar a luva! – disse o ratinho, muito amável.
- Tem cuidado, não te debruces no caldeirão!!! – avisou a noiva.
- Bem – continuou a avó -, o ratinho foi até à cozinha e…
A neta, que ouvia a história com atenção, disse de repente:
- Mas a porta estava fechada!!!
A avó continuou:
- Pronto, a porta estava fechada e então o ratinho foi logo a ver da chave…
- Mas não a encontrou!!! – disse muito depressa a Mariana.
- Bem – continuou a avó -, o ratinho então subiu a um postigo de grades que dava para a cozinha, e…
- Viu que não cabia por entre as grades!!! – acudiu muito aflita a Mariana.
A avó não desistiu:
- Bem, então o ratinho, que era muito esperto e que queria ir buscar lá dentro da cozinha a luva da Carochinha, pôs-se à procura de um buraco na porta pelo qual entrasse…
- Mas não encontrou!!! A porta era nova! – interrompeu a Mariana.
- Bem, então não pôde ir buscar a luva da Carochinha à cozinha e voltou muito triste para junto da sua noiva, que…
- Ó avó, escusa de dizer agora que ela lhe deu a chave da cozinha, porque eu sei que não deu nada!!! – quase gritou a neta.
- Por acaso era isso mesmo que eu ia dizer… - riu a avó.
E as duas, avó e neta, ali ficaram a rir e a brincar à beira do lume e à beira de uma velha história da Carochinha que a neta não queria, por nada deste mundo, que acabasse
“com o João Ratão
cozido e assado
dentro do caldeirão!”
Maria Alberta Menéres, Histórias de tempo vai tempo vem
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Conheces o autor do mês?
Miguel de Sousa Tavares
(25 de Junho de 1952) é um jornalista e escritor português. Natural do Porto, licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa e foi na capital que passou a infância e a juventude. Foi advogado, por mais de uma década. Estreia-se no jornalismo em 1978, ano em que iniciou a sua colaboração na RTP. Em 1989 participou na fundação da revista Grande Reportagem, que dirigiu entre 1990 e 1999. Ainda em 1989 foi também director da Sábado, mas manteve-se pouco tempo no cargo, devido à instabilidade interna da revista. Em 1990 começou a colaborar no Público, assinando uma crónica semanal, até 2002. Ao mesmo tempo, estendeu a sua colaboração ao desportivo A Bola, à revista Máxima e Diário Digital, informativo online. Voltou à televisão, como apresentador de Crossfire, na SIC, com Margarida Marante. Em 1999, na TVI partilhou o debate Em Legítima Defesa, com Paula Teixeira da Cruz e moderação de Pedro Rolo Duarte. A partir de 2000, na mesma estação, viria a marcar presença assídua às terças-feiras no Jornal Nacional, na análise à actualidade nacional e internacional. Das várias incursões literárias, resultaram compilações de crónicas, vários romances, livros de contos e uma história infantil. Equador, de 2004, foi um best-seller, estando traduzido em mais de uma dezena de línguas estrangeiras. Rio das Flores, em 2007, teve uma primeira tiragem de 100 mil exemplares. Recebeu o Prémio de Jornalismo e Comunicação Victor Cunha Rego, em 2007. Actualmente é colunista semanal do jornal Expresso.
Obras
- Equador, Oficina do Livro, 2003
- Anos Perdidos, Oficina do Livro, 2001
- Não Te Deixarei Morrer, David Crockett, Oficina do Livro, 2001
- Sul, Viagens, Oficina do Livro, 2004 (Edição Ampliada)
- O Segredo do Rio, Oficina do Livro, 2004
- Um Nómada no Oásis, Relógio d'Água Editores
- O Dia dos Prodígios
- O Planeta Branco, Oficina do Livro, 2005
- Rio das Flores, Oficina do Livro, 2007
- No Teu Deserto, Oficina do Livro, 2009
Este mês sugerimos o livro...
Alice Vieira, Catarina Fonseca, Isabel Zambujal, Leonor Xavier, Mª do Rosário Pedreira, Rita Ferro.
6 autoras, 6 histórias, 6 receitas, uma paixão: o chocolate
Uma cozinheira que gostaria de ter tido uma cozinha igual à da Audrey Hepburn para fazer o BOLO DO PAI.
Um casamento de família tragico-cómico mas com muito salero e um FRANGO COM MOLHO DE CHOCOLATE perdido.
A história da vida de 6 ingredientes-personagem que vieram de cada um dos quatro cantos do mundo e dão origem a um CHOCOLATE GELADO.
Como um BOLO DE MÁRMORE pode servir para assassinar um marido traidor.
A magia de um curso de culinária pode mudar duas vidas, com BEIJINHOS DE PRETA.
Há famílias que nunca mudam, nem no dia de anos da Mãe, com um PAVÉ DE CHOCOLATE COM CEREJAS.
Este mês sugerimos o filme...
Quando as coisas se descontrolam - os descontrolados vão às compras. Rebecca Bloomwood é louca por compras, está cheia de dívidas e passa o tempo a tentar escapar ao seu gerente de conta. A sua única esperança é tentar ganhar mais e gastar menos. O seu único consolo é comprar alguma coisa - só mais uma coisinha…
Quando o desejo de comprar algo se torna um vício, podemos estar perante uma patologia do foro psiquiátrico.
Este filme “Louca por Compras” de título original “Confessions of a Shopaholic” é uma adaptação cinematográfica do livro de Sophie Kinsella com o mesmo nome e retrata de forma exagerada, o quotidiano de uma compradora compulsiva que, deixando-se levar pelo vício, acumulou uma dívida caótica, embora a moral esteja presente: Saber distinguir entre o “eu quero” do “eu preciso”!
Este mês sugerimos Ouvir...
No final de 1978, Zé Pedro, Kalú, Tim e Zé Leonel, formam os Xutos e Pontapés, dando o primeiro concerto a 13 de Janeiro de 1979 para a comemoração dos 25 anos do Rock & Roll.
Em 1981 entra para a banda o guitarrista Francis e sai Zé Leonel, assumindo Tim as funções de vocalista. Em 1982 sai o compacto 1979-1982, com músicas marcantes como "Sémen" e "Mãe". Em 1983 Francis sai da banda e entra o guitarrista João Cabeleira.
Em 1985 gravam Cerco com as músicas "Barcos gregos" e "Homem do leme".
A explosão mediática começou em 1987 com o álbum Circo de Feras e os seus mega sucessos "Contentores", "Não sou o único" e "N'América". Continuou com o single "7º Single" e o seu estrondoso hit "A minha casinha". O álbum 88 foi um dos pontos mais altos da carreira dos Xutos e Pontapés com os mega êxitos "À Minha Maneira", "Para Ti Maria" e "Enquanto a noite cai", entre outros, dando início a uma das maiores tournées da banda que ficou retratada no álbum "Xutos - Ao vivo".
Em 1990 o álbum Gritos mudos é mal recebido e o sucesso da banda sofre o seu primeiro revés, embora a música "Gritos mudos" seja um grande sucesso.
Na década de 90, o grupo entra em crise interna, com os seus elementos a iniciarem outros projectos. Tim integra os Resistência, Zé Pedro e Kalu abrem o bar Johnny Guitar e integram a banda de Jorge Palma, Palma's Gang, com Flak e Alex, ambos dos Rádio Macau.
Em 1998 editam o álbum Tentação, que serve de banda sonora ao filme de Joaquim Leitão, Tentação (filme)
Em 1999, com novo fôlego, fazem a tournée XX Anos Ao Vivo, onde fazem cerca de oitenta concertos. Em ano de comemoração dos vinte anos de carreira é também editada uma compilação de homenagem, XX Anos XX Bandas, com a participação de várias das bandas e artistas. Nesse ano, gravam ainda o tema "Inferno" para o filme do mesmo nome de Joaquim Leitão.
No ano seguinte, gravam uma versão da canção "Chico Fininho" de Rui Veloso, para o álbum de homenagem aos vinte anos de estreia de Veloso com "Ar de rock".
Os Xutos & Pontapés foram agraciados pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a Ordem do Mérito em 2004. Nesse mesmo ano, os Xutos deram dois concertos no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, para celebrar os seus 25 anos de carreira.
Em 2005, os Xutos & Pontapés realizaram uma tournée intitulada “A tournée dos 3 desejos”, na qual deram três séries de concertos, cada um com um alinhamento diferente. Em 2006 não só deram um concerto acústico, em celebração dos seus vinte e oito anos, como também lançaram um DVD triplo com toda a sua história desde o início (1978) até 2005 (tournée 3 desejos).
Em 2006, António Feio encenou um musical Sexta Feira 13 com apenas músicas dos Xutos.
Em 2008 foram convidados pela Associação Encontrar-se a integrarem o Movimento UPA – Unidos Para Ajudar, para interpretarem o tema de solidariedade "Pertencer”.
Ao longo do ano de 2009, foi reeditada toda a discografia da banda, sendo editadas em vinil e limitadas a 500 unidades, o que se tornará numa peça de coleccionador.
Já em Setembro desse ano, os Xutos & Pontapés actuam perante 40 mil espectadores no estádio do Restelo, para o derradeiro concerto de comemoração dos trinta anos de carreira da banda.
Depois de terem completado 30 anos, os Xutos têm mais uma prenda dos Fãs, em Setembro de 2009, são nomeados para os EMA'S na categoria de "Best Portuguese Act" e em Novembro do mesmo ano ganham esse prémio.
Os Xutos & Pontapés celebram este mês 32 anos de carreira com concertos em Lisboa e no Porto.Discografia
- 78/82 (1982)
- Cerco (1985)
- Circo de Feras (1987)
- 88 (1988)
- Gritos Mudos (1990)
- Dizer Não De Vez (1992)
- Direito ao Deserto (1993)
- Dados Viciados (1997)
- Tentação (1998)
- XIII (2001)
- Mundo ao Contrário (2004)
- Xutos & Pontapés (2009)
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Dia Mundial da Liberdade
No dia 23 de Janeiro comemora-se o Dia Mundial da Liberdade. Existem várias definições para o que será o significado de Liberdade. Todavia, pensamos, que ela é um direito que assiste a todos os seres humanos para tomar as suas opções de vida, sem no entanto esquecer que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros que têm tanto direito a ela como nós. Como vivemos em sociedade torna-se impossível que cada um faça o que quer sem pensar nos outros e, por isso, torna-se necessário respeitar as regras gerais que norteiam a nossa convivência.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma-se que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (Artigo I) e que “Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição” (Artigo II).
Infelizmente ainda nem todos os povos desfrutam da liberdade como a que nós temos e, sendo ela tão preciosa, há que continuar a lutar por ela não apenas para a conservar como para assegurar a verdadeira liberdade a quem ainda não a conquistou.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Alunos seleccionados para a 2ª fase do Concurso Nacional de Leitura
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Barca Bela
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Oh pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador!
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!
Almeida Garrett, obras de Almeida Garrett
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
O Baile
“Desta vez é que é.”
“Desta vez é que não falha” pensa Matilde.
Para isso, de resto, já começou a fazer dieta. Nada de se empanturrar de bolicaos nos intervalos das aulas, nada de se encher de coca-cola, nem mesmo da que tem “diet” escrito na garrafa, porque a Tatiana, diplomada em dietas infalíveis, já lhe garantiu que isso não passa de uma grande aldrabice e, com “diet” ou sem “diet”, aquela porcaria engorda na mesma. Por isso, a partir de agora, só água, água pura e cristalina “se é que existe ainda água pura e cristalina nas nossas torneiras”, como está sempre a resmungar o pai.
Matilde olha para o vestido, pendurado no armário, com um plástico por cima para não apanhar pó nem ganhar vincos e já está a ver a cara do Ruca, no momento em que ela entrar no ginásio. É dessa que há-de ir com ele ao cinema. Com um bocadinho de sorte às docas. Se o pai estiver pelos ajustes, evidentemente.
A Tatiana está sempre a dizer que o Ruca é parvo, e que só mesmo outra parva como a Matilde para engraçar com um fulano cheio de borbulhas, cabelo a escorrer óleo, a mascar pastilha elástica vinte e quatro horas por dia, e com o vocabulário reduzido a “fogo” e “tas a ver”. “E isto, claro” acrescenta a Tatiana, “só nos dias de grande inspiração”.
A Tatiana não sabe o que diz.
Dor de cotovelo, é o que é.
O Ruca é igualzinho a um artista de cinema. Se houvesse justiça neste mundo, ao tempo que ele já devia ter sido convidado a fazer telenovelas, em vez de estar a aturar as professoras da escola.
Um dia, Matilde caiu na asneira de dizer isto à Tatiana. As gargalhadas dela ouviram-se no fim da rua.
- Um artista de cinema? Claro! Entre ele e o Leonardo Di Caprio não há mesmo diferença nenhuma!
Matilde amuou:
- O Leonardo Di Caprio é muito gordo. Não sei o que tu vês nele.
Ao princípio, o Ruca não tinha gostado nada da ideia.
- Um baile? Fogo! Vocês devem ter todos batido com a cabeça nalgum sítio! Tás-me a ver a mim, todo fatela, a ficar ali com uma chavala, nem atrasa nem avança, fogo!, com aquelas músicas muito foleiras, e aquela cambada de cromos a olhar para a gente, fogo!, vocês passaram-se meus, passaram-se!
Tatiana mirava-o de alto a baixo, com um ar de olha-se-o-Leonardo-Di-Caprio-alguma-vez-falaria-assim, mas ele não percebeu.
Segundo Tatiana, o Ruca levava sempre o dobro do tempo que uma pessoa normal levaria a entender uma simples frase, sujeito, predicado, complemento directo.
Matilde ficava muito ofendida, quando a ouvia.
Tu é que não percebes nada de nada – dizia.
- O Ruca pensa sempre muito bem antes de responder às perguntas. É só isso. E isso era o que muito boa gente devia fazer também.
- Um baile… - resmungou novamente o Ruca. – Fogo!
Acabou por encolher os ombros e enfiou duas pastilhas elásticas para dentro da boca. Voltou a resmungar qualquer coisa entredentes, e desapareceu rua abaixo.
A ideia do baile nem tinha sido delas.
A directora de turma é que viera com essa história.
- Um baile – repetiu ela. – Mas um baile a preceito.
- O que é um baile a preceito, setôra? – perguntou o Fábio.
- Um baile com deve ser – esclareceu ela. – Com valsas, com boleros, com slows…
- Fogo! A cota passou-se! – bichanou o Ruca para a Matilde. – O que é que ela tá a dizer?
A Matilde fez-lhe um sinal para que se calasse.
Então o Ruca virou-se para a Tatiana.
- Tu conheces esta tanga de que ela está a falar?
A Tatiana também encolheu os ombros. O Ruca enfiou mais duas pastilhas para a boca e desistiu de fazer perguntas.
A setôra ia embalada. De olhos semicerrados, voara certamente para muito longe dali, para um lugar onde as pessoas ainda dançavam ao som de músicas com aqueles estranhos nomes.
- Ó setôra, e podíamos convidar os “Anjos”?
A setôra de repente acordou.
- Anjos? Mas o que é que os anjos têm a ver com isto?
- Ó setôra, são aqueles “Anjos” que cantam! A setôra sabe…
A setôra não sabia. Disse que falara no baile só para ser simpática porque lhe tinha chegado aos ouvidos que eles queriam angariar fundos (“an… quê?” perguntara o Ruca ao ouvido da Matilde) para irem a Espanha no fim do ano, e o baile lhe parecera uma boa ideia. Se o Conselho Executivo estivesse de acordo, até podiam utilizar o ginásio da escola.
- Mas – acrescentou – não quero cá dessas músicas malucas que vocês costumam ouvir. Para isso, vão lá para a Vinte e Quatro de Julho ou para as docas (“bora minha!” bichanou o Ruca, e a Matilde teve de lhe dar uma cotovelada para ver se o acalmava), mas aqui não! Vamos fazer um baile a preceito, como deve ser, com os rapazes a irem buscar as raparigas (“buscar as chavalas para quê?”, perguntou intrigado o Ruca, antes de levar com outra cotovelada da Matilde), e evidentemente, os vossos pais seriam também convidados (“Os cotas, minha?! Fogo!” berrou espantado o Ruca, levando nessa altura uma canelada da Tatiana), uma coisa mesmo a sério.
A setôra estava muito feliz com a ideia.
Alice Vieira, “Valsa a Três Tempos” (excerto), in Trisavó de Pistola à Cinta