sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O sonho

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.


Basta que a alma dêmos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e do que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama, Pelo Sonho é que Vamos

Chá com Letras

Realizou-se no passado dia 23 de Novembro a primeira reunião da comunidade de leitores adultos. Contou com a presença de alunos dos EFA, do CNO e de professores. Falou-se sobre vários livros, designadamente: O Principezinho de Saint-Exupéry; O cavaleiro da Dinamarca, de Sophia Andresen; da Lua de Joana, de Maria Teresa Gonzalez e de O Gato malhado e a Andorinha Sinhá, de Jorge Amado. A sessão foi bastante participada e a acompanhar as letras houve chá e biscoitos. A próxima sessão está agendada para a última 3ª feira de Janeiro


FREI JOÃO SEM CUIDADOS

O rei ouvia sempre falar em Frei João Sem Cuidados como um homem que não se afligia com coisa nenhuma deste mundo.

- Deixa estar, que eu é que te hei-de meter em trabalhos!

Mandou-o chamar à sua presença e disse-lhe:

- Vou dar-te uma adivinha e, se dentro de três dias não me souberes responder, mando-te matar. Quero que me digas: Quanto pesa a Lua? Quanta água tem o mar? O que é que eu penso?

Frei João Sem Cuidados saiu do palácio bastante atrapalhado, pensando na resposta que havia de dar àquelas perguntas.

O seu moleiro encontrou-o no caminho e lá estranhou ver Frei João Sem Cuidados de cabeça baixa e macambúzio.

- Olá, senhor Frei João Sem Cuidados, então que é isso que o vejo tão triste?

- É que o rei disse-me que me mandava matar se dentro de três dias eu não lhe respondesse a estas perguntas: Quanto pesa a Lua? Quanta água tem o mar? O que é que ele pensa?

O moleiro pôs-se a rir e disse-lhe que não tivesse cuidados, que lhe emprestasse o hábito de frade, que ele iria disfarçado e havia de dar boas respostas ao rei.

Passados os três dias, o moleiro, vestido de frade, foi pedir audiência ao rei. O rei perguntou-lhe:

- Então quanto pesa a Lua?

- Saberá Vossa Majestade que não pode pesar mais do que um arrátel[1], porque todos dizem que tem dois quartos.

- É verdade… E agora: quanta água tem o mar?

Respondeu o moleiro:

- Isso é muito fácil de saber. Mas como vossa Majestade só quis saber da água do mar, é preciso primeiro que mande tapar todos os rios, porque sem isso nada feito.

O rei achou bem respondido. Mas zangado por ver que Frei João Sem Cuidados se escapava das dificuldades, tornou:

- Agora, se não souberes o que penso, mando-te matar!

O moleiro respondeu:

- Ora Vossa majestade pensa que está falando com Frei João Sem Cuidados, e está mas é falando com o seu moleiro!

Deixou cair o hábito de frade, e o rei ficou pasmado com a esperteza do ladino.

Teófilo Braga, in Contos Tradicionais do Povo Português



[1] Antiga medida de peso, equivalente a dois quartos de quilo

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conheces o autor do mês?

Mario Vargas Llosa

O escritor Mario Vargas Llosa, 74 anos, galardoado com o Prémio Nobel da Literatura 2010, é um dos mais premiados autores da América Latina pelo seu trabalho como romancista, ensaísta e dramaturgo.

Da longa bibliografia destacam-se A Casa Verde (1967), Conversa na Catedral (1969), Pantaleão e as Visitadoras (1973), A Tia Júlia e o Escrevedor (1977) e A Guerra do Fim do Mundo (1981), História de Mayta (1984), Quem Matou Palomino Molero? (1986), O Falador (1987), Elogio da Madrasta (1988).

A partir da década de 1990 escreveu, entre outros, Como Peixe na Água (1993), Os Cadernos de Dom Rigoberto (1997), Cartas a Um Jovem Romancista (1997), A Festa do Chibo (2000), o Paraíso na Outra Esquina (2003), Travessuras da menina má (2006), e Diário do Iraque (2007), o mais recente.

Nascido em Arequipa, no Peru, a 28 de março de 1936, Jorge Mario Vargas Llosa, já era reconhecido com um dos maiores escritores em língua espanhola, com uma carreira também dedicada ao jornalismo, ao ensaísmo e ao activismo político.

Filho único nascido numa família de classe média, estudou no Colégio Militar Leôncio Prado, em La Perla, como aluno interno, experiência que servirá de tema do seu primeiro livro, “La ciudad y los perros” (“A cidade e os cães”) (1963).

Estudou Letras e Direito na Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, e nos anos 1950 recebe uma bolsa de estudos para estudar em Espanha, na Universidade de Madrid, onde obtém um doutorado em Filosofia e Letras.

Como intelectual e escritor foi fortemente influenciado pelo existencialismo do filósofo francês Jean Paul Sartre e também pela obra do norte-americano William Faulkner.

Na área política, presidiu, em 1983, a uma comissão que investigou a morte de oito jornalistas, no final dessa década lançou um movimento liberal contra a desestatização da economia, e em 1990 concorreu à presidência do país com a Frente Democrata (FREDEMO), partido de centro-direita, mas foi Alberto Fujimori que acabou por ganhar as eleições.

Na sequência dessa derrota, retomou a actividade literária em Londres, cidade que mais tarde apreciaria pelo anonimato e a calma que lhe proporcionava para poder escrever, mas também dividiu residência por Paris, Barcelona e Madrid.

Foi galardoado, entre outros, com o Prémio Rómulo Gallegos (1967), o Prémio Cervantes (1994), o Prémio Nacional de Novela do Peru (1967), o Prémio Príncipe das Astúrias de Letras Espanha (1986) e o Prémio da Paz de Autores da Alemanha, concedido na Feira do Livro de Frankfurt (1997).

Em 1985 foi condecorado pelo governo francês com a Medalha de Honra.
Depois da contestação ao governo de Fujimori, em 1993 pediu a nacionalidade espanhola, mantendo também a peruana.

Aos 74 anos, Mário Vargas Llosa, membro da Real Academia Espanhola da Língua, mantém-se ainda em intensa actividade como romancista, crítico literário, colunista na imprensa, ensaísta, dramaturgo e professor universitário.

in Público (07/10/2010)

Mais informações, em castelhano, sobre o escritor em:
http://www.elpais.com/articulo/cultura/Mario/Vargas/Llosa/Premio/Nobel/Literatura/elpepucul/20101007elpepucul_3/Tes

Este mês sugerimos o livro...

Lituma nos Andes

No meio da noite e dos Andes peruanos, dois homens, dois guardas civis, Lituma e Tomás, procuram três desaparecidos. Dizem-lhes que foram os demónios vivos. Eles não acreditam. Mas de algum modo é verdade.

Quando se fala da obra de Mario Vargas Llosa, raramente, ou nunca, se refere “Lituma nos Andes”. E, no entanto, a novela faz parte, com “Conversa na Catedral” ou “A Cidade e os Cães”, ou “Panteleão e as Visitadoras”, dos escritos em que o Peru domina, com todas as suas contradições.

A história do cabo Lituma e do seu ajudante Tomás Carreño, exilados num pequeno posto da Guarda Civil em Naccos, algures nos Andes, longe de Lima e do mundo, no meio de senderistas, sanguinários, e de serruchos, mais leais aos deuses das montanhas do que aos homens, tem tudo para prender, página a página. Pela densidade e o tropel de acontecimentos, a mestria dos diálogos cruzados. É urgente tirar o Prémio Planeta 1993 da prateleira.

Os dois homens investigam o desaparecimento de três pessoas e não podem contar com ninguém na aldeia mineira de Naccos. O assunto é tabu. Entram na cantina de Adriana, a velha bruxa, e de Dionísio, e faz-se silêncio. De nenhuma boca sairá o que quer que seja sobre Pedrito Tinoco, Casimiro Huancaya e Demetrio Chanca. Um dia diluíram-se na bruma. Ou, pior do que isso, um pishtaco, um demónio vivo, secou-os, esquartejou-os e fê-los banha de candeia ou óleo de máquina

. Mas como saber o que aconteceu se o assunto assusta e cala as bocas e os terrucas espreitam atrás de cada morro?

O momento em que tudo se passa pode ser um ano qualquer anterior ao da edição do livro. Alberto Fujimori venceu as eleições de 1990 contra nem mais nem menos que Mario Vargas Llosa, que assim ficou com mais tempo para escrever sobre a tragédia do país. O Peru caminha de pés nus sobre brasas. O Sendero Luminoso aterroriza departamentos, províncias inteiras. Nasceu em 1980 para fazer a revolução popular e vai pondo bandeirinhas vermelhas em todas as colinas ou cabeços da sua caminhada para Lima. Vai marcando o caminho, as picadas, e que nem ninguém se lhe atravesse. Agora anda próximo de Tíngo Maria, e portanto de Naccos. E portanto nas barbas dos dois guardas civis. É este o ambiente.

O diálogo entre Lituma e Tomasito, de catre para catre, noite fora, dentro da cabana posto, afastada do povoado, isolada, à volta da qual todos os ruídos são ameaçadores e todos os silêncios de arrepiar, percorre o livro como uma lufada de ar fresco, de humanidade. É o contraponto das investigações, que se arrastam, no meio de cenas de violência quase sem palavras para as descrever, terrucas de poncho e chullo enfiado na cabeça a matarem à pedrada um casal de jovens franceses em lua-de-mel, Albert e “petite” Michèle, numa estrada de Andahuaylas, o sineiro de Andamarca ou a engenheira agrícola senhora Harcourt entre Huancayo e Huancavelica, e outras.

Muitas palavras no Peru começam por “huanca”. É que ali, antes dos incas, moraram dois povos, os huancas e os chancas, tendo os huancas, derrotados e assimilados, ficado conhecidos por um grau de violência incrível. Sempre que era preciso qualquer coisa da natureza, por exemplo rasgar uma estrada às entranhas da serra, ou pedir aos apus, os deuses dos lares e das montanhas, que contivessem os huaycos, desprendimentos colossais de pedra, terra e lama que tudo levam à frente e tudo esmagam, lá ia um sacrifício, em regra humano.

E foi isso que Lituma e Tomasito descobriram, depois de uma conversa inspiradora com um antropólogo dinamarquês, Paul Stirmsson, apaixonado pelos rituais dos povos do tempo em que aquela terra se chamava Tehauantisuyo, que encontraram por acaso a duas horas de caminho. Que um dia, por causa da estrada que queriam rasgar na serra, para servir a mina de Naccos, mas que não conseguiam, e para afastar os terrucos, que espreitavam, os nativos, submetidos pela crendice, a superstição, deram cabo de Pedrito, o mudo, Casimiro e Demetrio.

Pelo meio há histórias imperdíveis. Como a do pishtaco Salcedo, que um dia desapareceu, mas esse para ir morar para uma gruta, transforma-la numa fábrica de banha de gente e aterrorizar os Andes.

Em “Lituma nos Andes”, muito para além da política e dos mecanismos do poder, do militarismo ou da corrupção, Mario Vargas Llosa desce aos abismos do atraso, da incultura, da miséria, da superstição, quase na barbárie, os demónios que subjazem a um país com um pé na modernidade e outro no terceiro mundismo.

Na perspectiva do leitor, a novela permite viajar sem ponta de cansaço no universo novelístico, político, moral, religioso – num sentido amplo – e histórico do escritor, para chegar a um ponto onde a literatura já não é mero entretenimento; porque já criticou o totalitarismo, a perversão moral, o obscuro labirinto das relações humanas, já perturbou, já sugeriu, já fez pensar. Já transformou um momento de leitura noutro de paixão literária.

Este mês sugerimos o filme...

Uma Mente Brilhante (Beautiful Mind)

é um filme de 2001, drama biográfico, dirigido por Ron Howard, sobre a vida do matemático John Forbes Nash.

O guião foi baseado no livro de Sylvia Nasar, uma biografia muito precisa e abrangente da vida de Nash, adaptado por Akiva Goldsman, que alterou vários fatos relativos à vida e à doença de Nash por razões comerciais ou para maior efeito dramático e, por essa razão, recebeu várias críticas.

O filme foi produzido por Ron Howard e Brian Grazer, para a Universal Studios e DreamWorks.

Sinopse:

John Nash é um matemático prolífico e de pensamento não convencional, que consegue sucesso em várias áreas da matemática e uma carreira académica respeitável. Após resolver na década de 1950 um problema relacionado à teoria dos jogos, que lhe renderia, em 1994, o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel (não confundir com o Prémio Nobel), Nash casa-se com Alicia. Após ser chamado a fazer um trabalho em criptografia para o Governo dos Estados Unidos da América, Nash passa a ser atormentado por delírios e alucinações. Diagnosticado como esquizofrénico, e após vários internamentos, ele precisará usar de toda a sua racionalidade para distinguir o real do imaginário e voltar a ter uma vida normal.

Este mês sugerimos Ouvir...

Bryan Adams

Filho de pais britânicos, aos doze anos comprou a sua primeira guitarra. Aos catorze anos mudou-se para Vancouver e começou a participar em audições como guitarrista. Bryan Adams passou parte da sua infância e adolescência em Portugal, dada a profissão de seu pai. Aos quinze anos abandonou a escola e juntou-se a uma banda como vocalista, fazendo digressões pelo Canadá. Em 1977 conheceu Jim Vallance e juntos começaram a escrever canções, não tardando muito para que as suas músicas começassem a ser tocadas por outros. Aos dezoito anos assinou o seu primeiro contracto com a "A&M Canada". É também amigo de infância do actor Michael J. Fox.

Adams, um defensor dos direitos dos animais tornou-se vegetariano por volta dos 28 anos e hoje é completamente vegano.

A carreira de Bryan Adams divide-se em duas grandes fases: anos 80 e anos 90. Nos anos 80 sua música era um rock-pop seguindo as tendências da época - essas músicas foram bandas sonoras de vários filmes e séries na época, incluindo Miami Vice e Footloose.

Nos anos 90 Bryan adquire um som mais romântico - essa fase é a mais conhecida do público em geral. É dessa época o seu maior sucesso, o álbum Waking up the neighbours em 1991, produzido por Mutt Lange, que contém a balada "(Everything I do) I do it for you" (da autoria de Michael Kamen); esta canção fez parte da banda sonora de "Robin Hood: Prince of Thieves" e foi um enorme êxito em todo o mundo. Depois desse álbum surgiu o "So far so good", uma espécie de coletânea contendo todos os hits de sucesso.

A carreira musical de Adams inclui vários duetos e colaborações, designadamente com: Tina Turner ("It’s Only Love") e Melanie C ("When You’re Gone").

Em 1990 participou com vários músicos, Cyndi Lauper, Van Morrison, Scorpions e outros, no concerto de Roger Waters, "The wall in Berlim".

Além de cantor, compositor, produtor Bryan Adams também é fotógrafo e já lançou três livros de fotografias.

Entrou no "Canada Wall of Fame". Em 1990 foi nomeado "Member of the Order of Canada" e promovido a "officer" em 1998

A discografia de Bryan Adams consiste em dez álbuns de estúdio, três álbuns gravados ao vivo, três compilações, sessenta singles, quatro álbuns vídeo, trinta e quatro vídeoclipes e uma banda sonora.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dia do Não Fumador

Não fumas?!...

Parabéns!!!.... É o teu dia!!!


domingo, 14 de novembro de 2010

Poesia de Outono com castanhas

No passado dia 11 de Novembro, comemorou-se o dia de S. Martinho com uma actividade na Biblioteca Escolar intitulada “Poesia de Outono com castanhas” e que visou promover hábitos de leitura através da declamação de alguns poemas de autores portugueses e da leitura de quadras alusivas à efeméride. Todas as turmas do 3º ciclo estiveram envolvidas, tendo vários alunos participado de forma empenhada. Foram também expostos provérbios, adivinhas e não faltaram as castanhas assadas que no nosso país fazem parte da tradição do S. Martinho.

Aquela Nuvem

Aquela Nuvem

Aquela nuvem

Parece um cavalo...

Ah! Se eu pudesse montá-lo!

Aquela?

Mas já não é um cavalo,

É uma barca à vela.

Não faz mal.

Queria embarcar nela.

Aquela?

Mas já não é um navio,

É uma torre amarela

A vogar no frio

Onde encerraram uma donzela.

Não faz mal.

Quero ter asas

Para espreitar da janela.

Vá, lancem-me ao mar

Donde voam as nuvens

Para ir numa delas

Tomar mil formas

Com sabor a sal

- Labirinto de sombras e de cisnes

No céu de água – sol – luz concreto e irreal...

José Gomes Ferreira, Poesia IV


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

História do compadre rico e do compadre pobre

Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas muito miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo, lamentou-se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que matasse o porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada, para depois dizer que lho tinham roubado.

Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre pobre lhe tinha dito. Depois deitou-se com tenção de ir de madrugada ao quintal buscar o porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e roubou-lho. No dia seguinte, quando

o rico deu pela falta do porco, correu a casa do compadre pobre e muito aflito contou-lhe o acontecido. Este, fazendo-se desentendido, dizia-lhe: «Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é que há-de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!»

O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre cada vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam.

O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher: «Olha, mulher, desta maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar para casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do fato, e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto eu estou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para casa.» A mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que lhe acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu para a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma ideia gritou para o marido: «Ah! Goela de odre sem nagalho[1]!» O marido, que entendeu, respondeu-lhe: «Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do cabelo te hei-de afogar!» Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho sem lhes custar nada, e enganaram o avarento do compadre.

Adolfo Coelho, Contos Populares Portugueses

[1] Atilho, cordel

Sou um guardador de rebanhos


 Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto,

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,

Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro