sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Leitura a duas vozes


No passado dia 13 teve lugar na nossa biblioteca, mais um serão literário de leitura a duas vozes que contou com a presença de professores, alunos e familiares, que leram para os presentes textos, alusivos à quadra natalícia que se avizinha e que deliciaram os ouvintes. Abaixo transcrevemos um conto da autoria de uma das leitoras, a professora Maria Júlia Bica, que amavelmente nos cedeu o conto para a sua publicação neste blogue.



O Natal da Avozinha

1ª neta – Como eram as festas de Natal quando eras pequenina, avozinha?
2ª neta – Pedias a barbie à tua mãe? E também a sua roupinha?
1º neto – E o avô, o que pedia ele? Um comboio eléctrico? Um carro?
2º neto – Não, talvez uma bicicleta, pelo que eu sei ele era um bom atleta!!!
Avó – Nada disso meus netinhos. Além de não haver nada disso que falaram, no meu tempo o Natal era já a mais linda festa, preparada com requintes e carinhos. Nenhuma outra era vivida como esta!
Netos – Conta, conta lá avó!
Avó – Eu andava radiante desde as vésperas, vendo minha mãe atarefada a preparar o Natal com muito AMOR!!!
1ª neta – O que fazia a tua mãe?
Avó – Fazia fritos, azevias, arroz-doce..., e o lume estava todo o dia aceso à chaminé, para se sentir calor. E eu, que ainda acreditava que era mesmo Jesus que descia pela chaminé e vinha trazer o meu presente, sonhava...sonhava...sonhava... O que será? Pensava. O que será que Ele me trará? Olhava assustada a chaminé; achava-a tão alta!!! Tão escura!!! E pensava:
E se Ele escorrega e catrapuz? E ao descer não ficará tisnado? Como eu temia o que poderia acontecer a Jesus!!!...
2ª neta – Ah! Então tu não sabias que eram os pais que compravam as prendas de natal?!
2º neto – Oh! Avó, tu não me digas que pensavas que Jesus ia descer a todas as chaminés?!!!
Avó – Claro que pensava, e hoje até tenho saudades do tempo em que nisso acreditava. Parece até que estou a ver-me na escola a recitar a poesia:

<
(a avó nova recita)
a noite é de neve fria
brilham mais as estrelinhas
mas já pelos céus descia

O Deus Menino  e sorria
a todas as criancinhas.

Menino Jesus, contente,
vai descer às chaminés
e caminha docemente
ninguém o vê, nem pressente
dormem todos os bebés.

Que lindas coisas doiradas
que presentes tão bonitos
que nem os sonham as fadas
abre as mãozinhas nevadas
e dá tudo aos pequenitos.

Não cabem nos sapatinhos
os brinquedos, ó Jesus
são pequenos os pezinhos.
mas deixa bolas, carrinhos
tudo o que é lindo e reluz.

Amanhã, de manhãzinha,
(que alegres, risos, contentes)
irá cada criancinha
correndo ansiosa à cozinha
buscar os lindos presentes.

Avó – Ah! Meus queridos netinhos, como eu recordo com saudade, o tempo em que era da vossa idade!!!
3º neto – Oh! Avó, desculpa lá mas eu acho um disparate não te terem dito a verdade!
4º neto – Ele tem razão, concordo plenamente com o meu irmão.
Avó – Eu vivi tão profundamente aquela situação, que não sou solidária com a vossa opinião. Na véspera de Natal íamos pôr o sapatinho à chaminé.
Eu e o meu irmão ficávamos ansiosos, rezávamos com fé.
E ficava a bater forte o coração.
4º neto – E quando é que vias os presentes?

Avó – De manhã, bem cedinho, mal acordávamos, lá íamos, pé ante pé, para vermos o que tínhamos no sapatinho.
Lembro-me que às vezes até pensava que, se fosse mais depressa, poderia encontrar Jesus, que Ele se atrasava.
E o coração batia... e a respiração faltava... e corria... corria...corria...
Foi muito bom ter tido este sonho, esta ilusão, embora tenha que vos confessar que sofri ao verificar que não era Jesus, mas sim os pais, a tia, um irmão...
3º neto – Oh! Avó, pelo que eu ouvi, nunca sabias o que tinhas no sapatinho?!...
4º neto – E ficavas sempre contente? Gostavas sempre do teu presente?
Avó – Os tempos eram outros!... ninguém era exigente!...
Quem quase nada tinha, ficava muito contente qualquer que fosse o seu presente.
Podem não acreditar, mas cheguei a ter no sapatinho apenas um chocolatinho,...uma caneca,... um rebuçado, ... um lencinho de assoar,... e, uma vez, ainda me lembro muito bem: <>.
4º neto – Oh! Avó, tens razão. Os presentes pouco importam.
3º neto – É preciso é ver em cada ser <>.
2ª neta – Com barbie...
1º neto – carro...comboio elétrico...
2ª neta – ou  dedal...
Todos – Temos que fazer de cada dia <<Um Dia de Natal>>

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A árvore de Natal de sexta-feira


Enquanto vestia o pijama, Brian perguntou:
 Mamã, os outros meninos dizem que vamos ter uma árvore de Natal cá em casa. O que é uma árvore de Natal?
Aconchegados no pequeno quarto da casa de abrigo cristã para mulheres e crianças, Jenny Henderson abraçou os filhos, Brian e Daniel, de seis e três anos, respetivamente.
— É uma árvore bonita que ajuda as pessoas a sentirem-se felizes com o nascimento de Jesus. As pessoas costumam decorá-la no Natal e colocar, debaixo dela, presentes que compram umas para as outras.
Daniel enrugou o nariz:
— O que é “decorar”? E o que é o “Natal”?
A mãe suspirou. Durante todos os anos que vivera com o pai dos miúdos, ele sempre recusara celebrar fosse o que fosse e por muito que ela lhe pedisse. Não se celebravam aniversários, feriados, e muito menos o Natal. Daí que os rapazes nunca tivessem soprado velas de anos, visto televisão, decorado uma árvore de Natal, pendurado meias, comido um bom jantar de Natal, ou aberto quaisquer presentes.
Quando a casa dos Henderson se tornou demasiado triste por causa das discussões e das atitudes de controlo e de dominação, Jenny foi viver com os filhos para uma casa de abrigo. Agora, podiam celebrar tudo o que quisessem, incluindo o Natal, juntamente com as outras mães e crianças que lá viviam. Jenny abraçou Daniel:
— Vou aconchegar-vos bem debaixo dos cobertores e contar-vos uma história maravilhosa sobre Jesus e o Natal.
E contou-lhes, com todos os detalhes, a história da primeira noite de Natal. Depois, falou-lhes da decoração da árvore, da troca de presentes, e da gratidão que devemos a Deus pelo nascimento do Menino Jesus.
— Também quero amar o menino Jesus! — exclamou Brian. — E decorar uma árvore de Natal!
— Eu também quero! — pediu Daniel. — Diz que sim, mamã!
Jenny riu e disse:
— A Sra. Naples, a diretora da casa, disse que, neste sábado, vamos todos fazer uma festa para decorar a árvore de Natal, e que todas as crianças, incluindo vocês os dois, vão poder ajudar.
Brian e Daniel ficaram tão excitados que tiveram imensa dificuldade em adormecer. E a primeira pergunta que Daniel fez, quando acordou na manhã seguinte, foi:
— Já é sábado? Já podemos decorar a árvore?
Quando chegou a sexta-feira, ouviu-se uma exclamação:
— A árvore já está aqui!
Todas as crianças se precipitaram pelas escadas abaixo e viram três homens a carregar a árvore mais bonita que alguma vez tinham visto. Era tão grande que ia ficando presa na porta. Os homens colocaram-na num pequeno pedestal e todos se juntaram em torno dela. Quase chegava ao teto!
— Podemos decorá-la já? — perguntou Daniel.
A Sra. Naples riu:
— Lembra-te de que ainda é só sexta-feira, Daniel. Vamos decorá-la só amanhã.
Nesse momento, o telefone tocou e a diretora foi atender. Era o pai dos rapazes. Uma vez que nunca tinha sido violento com os filhos, o Sr. Henderson tinha autorização para vir à casa de abrigo buscá-los, para irem fazer visitas em conjunto. Ficou combinado que viria no dia seguinte, justamente à hora em que a árvore ia ser decorada.
É óbvio que os rapazes gostavam do pai. Contudo, o seu desejo de decorar a sua primeira árvore de Natal era tão grande que perguntaram à Sra. Naples se podiam colocar um só ornamento que fosse na sexta-feira. A diretora olhou primeiro para a belíssima árvore e, em seguida, para os dois irmãos e para as outras crianças.
— O que acham, meninos? Acham que este pedido é justo? E se votássemos?
— Vamos votar! — pediram todos.
Pouco depois, todos ajudavam a carregar caixas inteiras de ornamentos, que colocaram em torno da árvore despida. Virando-se para os dois irmãos, a Sra. Naples disse:
— Rapazes, têm uma hora para decorar a árvore como quiserem. Podem tirar o que quiserem das caixas, sem a nossa ajuda. Amanhã, quando estiverem fora, tiramos os ornamentos para que as outras crianças possam ser elas mesmas a colocá-los. Mas hoje é a vossa noite.
A diretora mandou embora as outras crianças e deixou os dois irmãos sozinhos.
Brian e Daniel nunca se tinham sentido tão felizes na vida. Pegaram em cada bola brilhante, em cada grinalda cintilante, em cada conjunto de sincelos tão cuidadosamente, como se fossem feitos de diamantes, e colocaram-nos na árvore com todo o carinho. Algum tempo depois, a Sra. Naples passou pelo átrio para ver como os irmãos se estavam a sair. Em torno dos ramos mais baixos, e tão alto quanto os bracinhos lhes permitiam, Brian e Daniel tinham colocado ornamentos alegres em azul, vermelho, verde, dourado e prateado, aos quais juntaram fiadas de grinaldas e muitos conjuntos de sincelos.
Contudo, em vez de estarem a admirar o seu trabalho, tinham-se ajoelhado e rezavam, de olhos fechados. Brian dizia: “Muito obrigado, querido Jesus, por teres nascido no Natal. E por nos teres deixado decorar a árvore. É o melhor presente de Natal que alguma vez tive.” Daniel acrescentou: “Jesus, quando o nosso pai vier amanhã e vir a nossa bela árvore, faz com que ele goste dela e que não se zangue. Faz com que ele queira gostar de ti.”
Brian pensou por um momento e disse: “Tens razão. Esse é que seria o melhor presente de Natal”.
Bonnie Compton Hanson

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Chove. É dia de Natal


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Este mês sugerimos ver...


O avarento Ebenezer Scrooge começa a época de Natal com o seu habitual mau humor, gritando com maus modos ao seu fiel empregado e ao seu alegre e carinhoso sobrinho. Mas quando os fantasmas do Natal Passado, Presente e Futuro o levam numa viagem, reveladora de muitas verdades, que o Velho Scrooge não quer enfrentar, ele vai ter de abrir o coração para apagar anos de ruindade antes que seja tarde demais…

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Este mês sugerimos o livro...


Sevilha, 1915 - Vale do Paraíba, 1945: trinta anos da história do século XX correm ao longo das páginas deste romance, com cenário no Alentejo, Espanha e Brasil. Através da saga dos Ribera Flores, proprietários rurais alentejanos, somos transportados para os anos tumultuosos da primeira metade de um século marcado por ditaduras e confrontos sangrentos, onde o caminho que conduz à liberdade parece demasiado estreito e o preço a pagar demasiado alto. Entre o amor comum à terra que os viu nascer e o apelo pelo novo e desconhecido, entre os amores e desamores de uma vida e o confronto de ideias que os separam, dois irmãos seguem percursos diferentes, cada um deles buscando à sua maneira o lugar da coerência e da felicidade.
Rio das Flores resulta de um minucioso e exaustivo trabalho de pesquisa histórica, que serve de pano de fundo a um enredo de amores, paixões, apego à terra e às suas tradições e, simultaneamente, à vontade de mudar a ordem estabelecida das coisas. Três gerações sucedem-se na mesma casa de família, tentando manter imutável o que a terra uniu, no meio da turbulência causada por décadas de paixões e ódios como o mundo nunca havia visto. No final sobrevivem os que não se desviaram do seu caminho.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Este mês sugerimos ouvir...


Ana Moura é natural de Coruche, mas como esta localidade não dispunha de maternidade, nasceu na capital de distrito, ou seja, Santarém.
Reconhecida internacionalmente, Ana Moura estreou-se com Guarda-me a Vida na Mão (2003), lançando seguidamente Aconteceu (2004). Canta, também, em vários em locais da noite lisboeta e deu-se a conhecer na televisão ao lado de António Pinto Basto, em Fados de Portugal.
Para Além da Saudade (2007) é o álbum que se segue, contendo músicas como Os Búzios ou O Fado da Procura. Com este disco Ana Moura ficou conhecida do grande público português, também devido às aparições em programas como Contacto e Família Superstar, ambos na SIC, e no Sexta à Noite, de José Carlos Malato, na RTP. Estas aparições na televisão ajudaram-na a promover este disco, conseguindo alcançar a Tripla Platina, por vendas superiores a 55 mil unidades, e a permanecer 120 semanas no TOP 30 de Portugal.
Com o mesmo disco recebeu uma nomeação para os Globos de Ouro, na Categoria de Música, para Melhor Intérprete Individual, que acabou por perder para Jorge Palma.
Em 2007, Ana Moura participou no concerto dos Rolling Stones no Estádio de Alvalade XXI, em Lisboa, cantando, em dueto com Mick Jagger, o tema “No Expectations” da banda britânica.
Depois de dois grandes concertos nos Coliseus do Porto e de Lisboa, Ana Moura lança finalmente o seu primeiro DVD ao vivo, a 24 de Novembro de 2008, que obtém grande sucesso junto ao público, pelo seu excelente alinhamento.
Com o reconhecimento da crítica, chegou também o reconhecimento dos pares e, em 2008, Ana Moura recebeu o Prémio Amália de melhor intérprete.
Em 2009 o norte-americano Prince confessa-se fã da fadista, mostrando interesse em colaborar musicalmente com Ana, vindo a fazê-lo no Festival de Verão, Super Bock Super Rock, em 2010.
O seu último disco "Leva-me aos Fados", lançado a 12 de Outubro de 2009 (apresentado na Casa da Música - Porto e coliseu de Lisboa, a 20 e 21 de Outubro), já é Disco de Platina, continuado no Top 10 dos discos mais vendidos. Com fados como "Leva-me aos Fados" (single de apresentação), "Caso Arrumado", "Rumo ao Sul" e "Fado vestido de Fado", Ana Moura delicia o seu público. Ana já iníciou a torné deste último trabalho pelo país e fora dele, com concertos centrados mais no norte de Portugal, e fora, passando pelos EUA, Canadá, Reino Unido, Áustria, Holanda e Alemanha.
Ana Moura recebeu, a 23 de Maio de 2010, nos "Globos de Ouro" o globo de "Melhor Intérprete Individual", para o qual estava nomeada juntamente com artistas como Carminho, David Fonseca ou Rodrigo Leão.
Ana Moura é actualmente uma das fadistas mais conceituadas de Portugal, pelo seu excelente timbre de voz, beleza e enorme simpatia para com o seu público.
A 17 de Março de 2011, Ana Moura foi nomeada para "Best Artist Of The Year", um dos importantes prémios da prestigiada revista inglesa de música Songlines.
Em Junho e Julho do mesmo ano, a fadista efectuou uma pequena digressão aos Estados Unidos e ao Canadá, que incluiu concertos em quatro famosos festivais de Jazz - S. Fancisco, nos EUA, e Vancouver, Montreal e Otava, no Canadá. Em Montreal, Ana Moura foi uma das cabeças de cartaz do 32º. festival de jazz internacional e no espectáculo agradou à sala cheia do Teatro Maisonneuve, no qual teve como convidado especial o saxofonista Tim Ries, criador do Projecto Rolling Stones.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_Moura


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Conheces o autor do mês...


valter hugo mãe é o nome artístico do escritor Valter Hugo Lemos (Henrique de Carvalho, Angola, 25 de Setembro de 1971). Além de escritor é editor, artista plástico e cantor angolano.
Passou a infância em Paços de Ferreira e em 1980 mudou-se para Vila do Conde. Licenciou-se em Direito e fez uma pós-graduação em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.
valter hugo mãe escreve-se mesmo com letras minúsculas. Assim como todos os seus romances. A liberdade formal é um dos pontos de honra do vencedor do Prémio Saramago de 2007 e uma das razões por ter sido apelidado de "tsunami" - "não no sentido destrutivo, mas da força" - por José Saramago.
valter hugo mãe tem uma explicação muito simples. "Sempre gostei da limpeza das minúsculas. Arrancando as maiúsculas do início das frases, as pessoas aceleram a leitura, ficam um pouco sem travões e chega-se mais depressa ao fim. Isso está em concordância com a nossa atitude. Não falamos com maiúsculas, aspas ou travessões".
valter hugo mãe confessa que enquanto escreve se fecha em semiclausura e o que lhe vale é a fast food. "Tenho a despensa cheia de latas de atum, salsichas e aquelas sopas em pacote. Toda essa parafernália de comida para solteiro. Desenvolvo até algumas dependências, como a de sopas de supermercado. Gosto de as comer e recordar os bons tempos da escrita do livro." Nessa altura, valter hugo mãe é capaz de acordar às sete e de se deitar às quatro da manhã. Pelo meio só há tempo para comer e ir à casa de banho.
O seu último romance "a máquina de fazer espanhóis" não foi excepção. O autor já tinha definido o tom do livro. Sabia que queria falar da terceira idade e da iminência da morte. Tinha a personagem principal, António Silva, bem definida na sua cabeça. Sabia que ia escrever na primeira pessoa e que ia dedicar o livro ao pai. "Foi uma maneira de substituir o que o meu pai não teve. Ele morreu antes de ser velho. Senti que podia aproximar-me da sua memória e ficcionar uma terceira idade que ele não viveu."
Com  “a máquina de fazer espanhóis”, valter Hugo mãe foi o grande vencedor da 10.ª edição do Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa. O escritor recebeu numa cerimónia que decorreu no Auditório Ibirapuera, em S. Paulo, no Brasil, o prémio na categoria de melhor romance e também foi o vencedor do Grande Prémio Portugal Telecom 2012.
O escritor, licenciado em Direito, fugia da escola porque tinha medo de levar uma coça da professora. O irmão avisou-o de que isso ia acontecer. Foi preciso a mãe explicar-lhe que precisava de ir à escola para "aprender a guardar as coisas que tinha na cabeça". Apaixonou-se pelas letras. Passava a vida a perguntar: "Que palavra é essa?" Começou por escrever poesia, sempre às escondidas, e nunca esqueceu o primeiro livro, que comprou, aos 10 anos, por conta própria: "Mistério da Mansão Assombrada", de Hitchcock. "A partir daí arranjei maneira de ler mais livros." Ainda assim, não se achava homem da prosa. "Li muitos autores chatos." O primeiro romance surgiu porque não lhe apetecia estudar e tinha uma frase que não lhe saía da cabeça: "Era o homem mais triste do mundo." Foi o início de "nosso reino" e desde então nunca mais abandonou os romances.
Para além da escrita tem-se dedicado ao desenho, com uma primeira exposição individual inaugurada em Maio de 2007, no Porto, e à música, tendo-se estreado como voz do grupo O Governo em Janeiro de 2008, no Teatro do Campo Alegre, no Porto.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Valter_hugo_m%C3%A3e
http://www1.ionline.pt/conteudo/43297-valter-hugo-mae-o-escritor-que-nos-poe-ler-sem-travoes

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ladino


Grande bicho, aquele Ladino, o pardal! Tão manhoso, em toda a freguesia, só o padre Gonçalo. Do seu tempo, já todos tinham andado. O piolho, o frio e o costeio não poupavam ninguém. Salvo-seja ele, Ladino.
Mas como havia de lhe dar o lampo, se aquilo era uma cautela, um rigor!... E logo de pequenino. Matulão, homem feito, e quem é que o fazia largar o ninho?! Uma semana inteira em luta com a família. Erguia o gargalo, olhava, olhava, e - é o atiras dali abaixo!... A mãe, coitada, bem o entusiasmava. A ver se o convencia, punha-se a fazer folestrias à volta. E falava na coragem dos irmãos, uns heróis! Bom proveito! Ele é que não queria saber de cantigas. Ninguém lhe podia garantir que as asas o aguentassem. É que, francamente, não se tratava de brincadeira nenhuma!
Uma altura! Até a vista se lhe escurecia... O pai, danado, só argumentava às bicadas, a picá-lo como se pica um boi. Pois sim! Ganhava muito com isso. Não saía, nem por um decreto. E, de olho pisco, ali ficava no quente o dia inteiro, a dormitar. Pobre de quem tinha de lho meter no bico...
Contudo, um dia lá se resolveu. Uma pessoa não se aguenta a papas toda a vida. Mas não queiram saber... Quase que foi preciso um paraquedas.
Mais tarde, quando recordava a cena, ainda se ria. E deliciava-se a descrever as emoções que sentira. Arrepios, palpitações, tonturas, o rabinho tefe-tefe. E a ver as coisas baças, desfocadas. Agoniado de todo! Valera-lhe a santa da mãe, que Deus haja.
- Abre as asas, rapaz, não tenhas medo! Força! De uma vez!
Tinha de ser. Fechou os olhos, alargou os braços, e atirou o corpo, num repelão... Com mil diabos, parecia que o coração lhe saía pelos pés! Ar, então, viste-o.
Deu às barbatanas, aflito.- Mãe!
Mas afinal não caía, nem o ar lhe faltava, nem coisíssima nenhuma. Ia descendo como uma pena, graças aos amortecedores. Mais que fosse! No peito, uma frescura fina, gostosa... Não há dúvida: voar era realmente agradável! E que bonito o mundo, em baixo! Tudo a sorrir, claro e acolhedor...
A mãe, sempre vigilante e mestra no ofício, aconselhou-lhe então um bonito antes de aterrar. Dar quatro remadas fundas, em cheio, e, depois, aproveitar o balanço com o corpo em folha morta, ao sabor da aragem...
Assim fez. Os lambões dos irmãos nem repararam, brutos como animais! A mãe é que disse sim senhor, com um sorriso dos dela...
E pousou. Muito ao de leve, delicadamente, pousou no meio daquela matulagem toda, que se desunhava ao redor duma meda de centeio.
Terra! Pisava-a pela primeira vez! Qualquer coisa de mais áspero do que o veludo do ninho, mas também quente e segura. Deu alguns passos ao acaso, a tirar das cócegas nos dedos um prazer de que ainda tinha saudades. Depois, comeu. Comeu com fome e com gula os grãos duros que o sol esbagoava das espigas cheias. Numa bicada imprecisa, precipitada, foi a ver, engolira uma pedra. Não lhe fez mal nenhum. Pelo contrário. Ricos tempos! Desde o entendimento ao estômago, estava tudo inocente, puro. Fosse agora, e era indigestão pela certa. Arrombadinho de todo! Por isso fazia aquela dieta rigorosa...
Falava assim, e ria-se, o maroto. Nem pejo tinha da mocidade, que o ouvia deslumbrada.
- A vergonha é a mãe de todos os vícios - costumava dizer.
E tanto fazia a Ti Maria do Carmo pôr espantalho no painço, como não. Ladino, desde que não lhe acenassem com convite para arrozada numa panela, aos saltinhos ia enchendo a barriga. Depois, punha-se no fio do correio a ver jogar o fito, como quem fuma um cigarro. Desmancha-prazeres, o filho da professora aproximava-se a assobiar... Ah, mas isso é que não. Brincadeiras com fisgas, santa paciência. Ala! Dava corda ao motor, e ó pernas! Numa salve-rainha, estava no Ribeiro de Anta. Aí, ao menos, ninguém o afligia. Podia fartar-se em paz de sol e grainha.
- Que mais quer um homem?!
- O compadre lá sabe...
- Bem... Tudo é preciso... São necessidades da natureza... Desde que não se abuse...
E continuava, muito santanário, a catar o piolho. Depois, metia-se no banho.
- Rica areia tem aqui o cantoneiro, sim senhor!
D. Micas concordava. E só as Trindades o traziam ao beiral da Casa Grande.
Adormecia, então. E a sono solto, como um justo que era, passava a noite. Acordava de madrugada, quando a manha rompia ao sinal de Tenório, o galo. Isto, no tempo quente. Porque no frio, caramba!, ou usava duma tática lá sua, ou morria gelado. Aquelas noites da Campeã, no Janeiro, só pedras é que podiam aguentá-las. E chegava-se à chaminé. Com o bafo do fogão sempre a coisa fiava de outra maneira.
Ah, lá defender-se, sabia! A experiência para alguma coisa lhe havia de servir. Se via o caso mal parado, até durante o dia punha o corpo no seguro. Bastava o vento soprar da serra. Largava a comedoria, e - forro da cozinha! Não havia outro remédio. Tudo menos uma pneumonia!
A classe tinha realmente um grande inimigo - o inverno. Mal o Dezembro começava, só se ouviam lamúrias.
- Isto é que vai um ano, Ti Ladino!
A Cacilda, com filhos serôdios, e à rasca para os criar.
- Uma calamidade, realmente. Mas vocês não tomam juízo! É cada ninhada, que parecem ratas!
- O destino quer assim...
- Lerias, mulher! O destino fazemo-lo nós...
Solteirão impenitente, tinha, no capítulo de saias, uma crónica de pôr os cabelos em pé. Tudo lhe servia, novas, velhas, casadas ou solteiras. Mas, quando aparecia geração, os outros é que eram sempre os pais da criança.
- Se todos fizessem como eu...
- Ora, como vossemecê!... Cala-te, boca. Mudemos de conversa, que é melhor... Segue-se que não sei como lhes hei-de matar a fome... - gemia a desgraçada.
- Calculo a aflição que deve ser...
E o farsante quase que chorava também. Quisesse ele, e a infeliz resolvia num abrir e fechar de olhos a crise que a apavorava. Pois sim! Olha lá que o safado ensinasse como se ia ao galinheiro comer os restos!... Enchia primeiro o papo e, depois, a palitar os dentes, fazia coro com a pobreza.
- É o diabo... Este mundo está mal organizado...
Um monumento! Como ele, só mesmo o padre Gonçalo. Quanto maior era a miséria, mais anediado andava.
- Aquilo é que tem um peito! Numas brasas, com uma pitada de sal...
Mas já Ladino ia na ponta da unha. Não queria quebrar os dentes de ninguém. Carne encoirada, durásia...
E acrescentava:
- Isto, se uma pessoa se descuida, quando vai a dar conta está feita em torresmos. Que tempos!
O mais engraçado é que já falava assim há muitos anos, com um sebo sobre as costelas, que nem cabrito desmamado.
De tal maneira, que o Papo Magro, farto daquela velhice e daquelas manhas, a certa altura não pôde mais, e até foi malcriado.
- Quando é esse funeral, ti Ladino?
Mas o velho raposão, em vez de se dar por achado, respondeu muito a sério, como se fizesse um exame de consciência:
- Olha, rapaz, se queres que te fale com toda a franqueza, só quando acabar o milho em Trás-os-Montes.

Miguel Torga, Os Bichos

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Conheces o autor do mês...

Jorge Cândido de Sena nasceu em 1919, em Lisboa. Depois de concluir os estudos liceais, ingressou na Escola Naval, vindo a formar se em Engenharia Civil na Universidade do Porto. Ainda durante os estudos universitários, publicou sob o pseudónimo Teles de Abreu, as suas primeiras composições poéticas em periódicos e foi nessa altura que travou conhecimento com José Blanc de Portugal, Ruy Cinatti, Alberto Serpa e Casais Monteiro, entre outros.
Em 1942, foi publicada a sua primeira obra poética: "Peregrinação". Ainda durante os anos 40, colaborou com "Aventura", "Litoral", "Portucale", "Seara Nova", e "Diário Popular", iniciando a sua atividade literária como tradutor de poesia . A partir de meados dos anos 40, intensificou a sua atividade de conferencista, proferindo comunicações que incidiam frequentemente sobre dois dos seus temas preferidos: Camões e Fernando Pessoa. Durante os anos 50, afirmou se como uma das presenças mais influentes e complexas da cultura e literatura portuguesas; e foi durante essa década que publicou algumas das suas mais conhecidas obras poéticas ("Metamorfoses", "Evidências", "Fidelidades"); que publicou a sua primeira tentativa dramática, a tragédia "O Indesejado"; que colaborou com publicações como a "Gazeta Musical e de Todas as Artes", "Árvore", "Notícias do Bloqueio", "Cadernos do Meio Dia"; e que organizou a terceira série da antologia "Líricas Portuguesas". A sua postura contra a ditadura fascista levou-o em 1959, após o envolvimento numa tentativa falhada de golpe de Estado militar contra o regime salazarista, a optar por um exílio voluntário no Brasil, onde exerceu funções de docência nos domínios da Literatura Portuguesa e da Teoria da Literatura. Publicou então, uma série de obras ensaísticas como "Da Poesia Portuguesa" e desenvolveu uma intensa atividade como congressista, não deixando ainda de participar em ações de denúncia da ditadura a partir do exterior. Em 1960 publicou o seu primeiro livro de ficção, a coletânea de contos "Andanças do Demónio". No ano seguinte publicou o primeiro volume da sua obra poética completa. Face aos obstáculos que sistematicamente eram levantados à sua progressão na carreira académica, em 1965 transferiu se para a Universidade do Wisconsin, nos Estados Unidos da América, onde seria nomeado professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira. Em 1970 transferiu se para a Universidade de Califórnia. Entretanto, participou em inúmeros congressos internacionais; tornou se membro da Modern Languages Association e da Renaissance Society of America, nunca interrompendo a edição, quer de títulos de teoria e história literária e estudos literários clássicos, modernos e contemporâneos, quer a obra poética pessoal, publicando os livros de poesia "Arte de Música" e "Peregrinatio ad Loca Infecta". Após o 25 de Abril, recebeu várias homenagens públicas em Portugal, tendo sido condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique e, a título póstumo, com a Grã Cruz da Ordem de Santiago e Espada. No ano da sua morte, em 1978, vieram a público, revistos pelo autor, os volumes "Poesia II" e "Poesia III", a que se seguiriam, postumamente, os volumes "40 Anos de Servidão" e "Post Scriptum II".


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Este mês sugerimos o livro...


(El otoño del patriarca em castelhano) é um romance do escritor colombiano Gabriel García Márquez, publicado em 1975. Este romance é considerado uma fábula centrada na saudade do poder, cuja ação se desenvolve num país fictício nas margens do Mar das Caraíbas governado por um ditador, um general ancião, que recria o estereótipo das ditaduras da América Latina do século XX, quanto à concentração do poder num militar só. Neste livro García Márquez elabora largos parágrafos sem pontos nem vírgulas entrelaçando pontos de vista narrativos distintos; numa espécie de monólogo múltiplo em que os intervêm vários elementos não identificados. García Márquez ridiculariza as práticas das altas patentes militares com os seus jovens herdeiros (a quem legam o poder), e os gastos assoberbados das suas famílias e compadres. Um retrato bastante realista é traçado da figura do diretor dos serviços secretos, que em pouco tempo controla todos os movimentos do general e constrói um aparelho de terror e repressão política.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Este mês sugerimos ver...


Em Inglaterra no século XII, Tom, um humilde pedreiro e mestre-de-obras, tem um sonho majestoso – construir uma imponente catedral, dotada de uma beleza sublime, digna de tocar os céus. E é na persecução desse sonho que vamos encontrando um colorido mosaico de personagens que se cruzam ao longo de gerações e cujos destinos se entrelaçam de formas misteriosas e surpreendentes, capazes de alterar o curso da história. Recheado de suspense, corrupção, ambição e romance, Os Pilares da Terra é decididamente a obra-prima de um autor que já vendeu 90 milhões de livros em todo o mundo.



terça-feira, 20 de novembro de 2012

O Teu Riso


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria. 


Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda